terça-feira, 31 de março de 2015

Ogum dá aos homens o segredo do ferro.

Mukuiú à todos! Pensei em colocar um mito por semana, mas não resisti devido a ser muito interessante o livro Mitologia dos Orixás, do Reginaldo Prandi. Espero que todos, em especial os filhos de Ogum, apreciem.



"Na Terra criada por Obatalá, em Ifé,
os Orixás e os seres humanos trabalhavam e viviam em igualdade.
Todos caçavam e plantavam usando frágeis instrumentos
feitos de madeira, pedra ou metal mole.
Por isso o trabalho exigia grande esforço.
Com o aumento da população de Ifé, a comida andava escassa.
Era necessário plantar uma área maior.
Os Orixás então se reuniram para decidir como fariam
para remover as árvores do terreno e aumentar a área de lavoura.
Ossaim, o Orixá da medicina, dispôs-se a ir primeiro
e limpar o terreno.
Mas seu facão era de metal mole e ele não foi bem-sucedido.
Do mesmo modo que Ossaim,
todos os outros Orixás tentaram,
um por um, e fracassaram
na tarefa de limpar o terreno para o plantio.
Ogum, que conhecia o segredo do ferro, não tinha dito nada até então.
Quando todos os outros Orixás tinhas fracassado,
Ogum pegou seu facão, de ferro, foi até a mata e limpou o terreno.
Os Orixás, admirados, perguntaram a Ogum de que material
era feito tão resistente facão.
Ogum respondeu que era ferro,
um segredo recebido de Orunmilá.
Os Orixás invejavam Ogum pelos benefícios que o ferro trazia,
não só a agricultura, como a caça e até mesmo à guerra.
Por muito tempo os Orixá importunaram Ogum
para saber do segredo do ferro,
mas ele mantinha o segredo só para si.
Os Orixás decidiram então oferecer-lhe o reinado
em troca de que ele os ensinasse
tudo sobre aquele metal resistente.
Ogum aceitou a proposta.
Os humanos também vieram a Ogum
pedir-lhe o conhecimento do ferro.
E Ogum lhes deu o conhecimento da forja,
até o dia em que todo caçador e todo guerreiro
tiveram sua lança de ferro.
Mas, apesar de Ogum ter aceitado o comando dos Orixás,
antes de mais nada ele era um caçador.
Certa ocasião, saiu para caçar e passou muitos dias fora
numa difícil temporada.
Quando voltou da mata estava sujo e maltrapilho.
Os Orixás não gostaram de ver seu líder naquele estado.
Eles o desprezaram e decidiram destituí-lo do reinado.
Ogum se decepcionou com os Orixás,
pois, quando precisaram dele para o segredo da forja,
eles o fizeram rei
e agora diziam que não era digno de governá-los.
Então Ogum banhou-se,
vestiu-se com folhas de palmeira desfiadas,
pegou suas armas e partiu.
Num lugar distante chamado Irê, construiu uma casa
embaixo da árvore de acocô e lá permaneceu.
Os humanos que receberam de Ogum o segredo do ferro
não o esqueceram.
Todo mês de dezembro, celebram a festa de Iudê-Ogum.
Caçadores, guerreiros, ferreiros e muitos outros
fazem sacrifícios em memória de Ogum.
Ogum é o senhor do ferro para sempre".

Harold Courlander, 1973, pp. 33-7; fragmento em Jan Knappert, 1995, p. 185.


segunda-feira, 30 de março de 2015

Exu come tudo e ganha o privilégio de comer primeiro.

Mukuiú! Estou lendo um livro interessantíssimo emprestado pelo Pai que chama-se "Mitologia dos Orixás" do Reginaldo Prandi e achei legal colocar aqui algumas histórias que nos dão uma ideia de como tudo começou através da Mitologia. Vou tentar, na medida do possível, a cada semana postar uma história.


"Exu era o filho caçula de Iemanjá e Orunmilá,
irmão de Ogum, Xangô e Oxóssi.
Exu comia de tudo
e sua fome era incontrolável.
Comeu todos os animais da aldeia em que vivia.
Comeu os de 4 pés e comeu os de pena.
Comeu os cereais, as frutas, os inhames, as pimentas.
Bebeu toda a cerveja, toda a aguardente, todo o vinho.
Ingeriu todo azeite-de-dendê e todos os obis.
Quanto mais comia, mais fome Exu sentia.
Primeiro comeu tudo de que mais gostava,
depois começou a devorar as árvores,
os pastos, e já começava a engolir o mar.
Furioso, Orunmilá compreendeu que Exu não pararia
e acabaria por comer até mesmo o Céu.
Orunmilá pediu a Ogum
que detivesse o irmão a todo custo.
Para preservar a Terra, e os seres humanos e os próprios Orixás,
Ogum teve que matar o próprio irmão.

A morte, entretanto, não aplacou a fome de Exu.
Mesmo depois de morto,
podia-se sentir sua presença devoradora,
sua fome sem tamanho.
Os pastos, os mares, os poucos animais que restavam,
todas as colheitas, até os peixes iam sendo consumidos.
Os homens não tinham mais o que comer
e todos os habitantes da aldeia adoeceram
e de fome, um a um, foram morrendo.
Um sacerdote da aldeia consultou o oráculo de Ifá
e alertou Orunmilá quanto ao maior dos riscos:
Exu, mesmo em espírito, estava pedindo sua atenção.
Era preciso aplacar a fome de Exu.
Exu queria comer.
Orunmilá obedeceu ao oráculo e ordenou:
"Doravante, para que Exu não provoque mais catástrofes,
sempre que fizerem oferendas aos Orixás
deverão em primeiro lugar servir comida a ele".
Para haver paz e tranquilidade entre os homens,
é preciso dar de comer a Exu,
em primeiro lugar".

Conto extraído por Rita de Cássia Amaral, pesquisa de campo, São Paulo, 1986. Em todas as cerimônias do candomblé, Exu é sempre o primeiro a receber homenagens e sacrifícios. Outros mitos também tratam dessa prerrogativa de Exu.

Obras no Terreiro 4 parte

Mukuiú, irmãos. Vim aqui atualizar o andamento das obras. Já conseguimos fechar as paredes, o telhado (falta um pouquinho) e dar uma arrumada no Terreiro. Com isso já estamos com nossas giras normais as segundas à partir das 19h. Lembramos que as obras ainda não terminaram e quem quiser e puder fazer doação de qualquer valor ou doar material de obra (cimento, filito, etc) falar com o nosso Presidente Renato ou nosso Tesoureiro João Paulo lá no Terreiro. Em breve colocaremos aqui a conta do Terreiro para doações.






sábado, 21 de março de 2015

Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas

Pessoal, à pedido do Pai coloco o texto para reflexão de todos. Foi extraído do livro Tradução do Novo Mundo das escrituras sagradas e acompanha o mapa abaixo. Atentem para “Terras Bíblicas Antes de Nossa Era Comum”. Mukuiú!!!



PREFÁCIO

“É um assunto de muita responsabilidade traduzir as Escrituras Sagradas dos idiomas originais, hebraico, aramaico e grego, para um idioma moderno. A tradução das Escrituras Sagradas significa verter em outro idioma os pensamentos e as declarações do Autor Celestial, Jeová Deus, desta biblioteca sagrada de 66 livros, escritos sob inspiração por homens santos da antiguidade para nosso benefício na atualidade.

Isto induz a reflexões sóbrias. Os tradutores que amam e temem o Autor divino das Escrituras Sagradas sentem de modo especial a responsabilidade para com Ele, no sentido de transmitir Seus pensamentos e Suas declarações do modo mais exato possível. Sentem também a responsabilidade para com os pesquisadores leitores da tradução moderna, que dependem da Palavrava inpirada do Deus Altíssimo para a sua salvação eterna.

Foi com tal senso de responsabilidade solene que uma comissão de homens dedicados produziu a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, em inglês, durante um período de vários anos. Assim que cada parte da tradução ficou pronta para publicação, foi entregue aos editores para ser impressa, constituindo ao todo 6 volumes. A Tradução do Novo Mundo das Escrituras Gregas Cristãs, contendo os 27 livros desde Mateus até Revelação, foi publicada em inglês pela primeira vez em 1950. Publicaram´se então sucessivamente, em inglês, os volumes da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Hebraico-Aramaicas, cujo primeiro volume saiu em 1953, o segundo em 1955, o terceiro em 1957, o quarto em 1958 e o quinto em 1960.

Desde o início do trabalho foi desejo dos tradutores que todos esses volumes então programados fossem finalmente reunidos em um único livro, visto que as Escrituras Sagradas são, de fato, um único livro do Único Autor. Com este objetivo, assim que se publicou o volume final da série, em 1960, a comissão se empenhou de conservar a tradução inteira para um só volume. A comissão pôde assim examinar a tradução como um todo e ver onde podiam se fazer melhorias.
Houve empenho em produzir ainda maior coerência na tradução das partes relacionadas das Escrituras Sagradas, tal como harmonizar o texto das citações feitas nas Escrituras Gregas Cristãs com o texto hebraico original. Uma vez que a edição das Escrituras Sagradas em um só volume não havia de ter notas ao pé da página, muitas das variantes apresentadas nessas notas, publicadas na tradução original em 6 volumes separados, foram incorporadas ao próprio texto da edição em um só volume. Isso não significava a rejeição da versão anterior assim substituída. Antes, tinha por objetivo obter maior conformidade ao texto literal nas línguas originais. Todo esse processo resultou em revisões no texto principal da tradução.

A edição em um só volume, agora completa, em inglês, pode assim ser chamada corretamente de edição revista da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas em inglês. Ao fazermos a sua entrega para publicação, fazemo-lo com um profundo sentimento de gratidão ao Autor Divino das Escrituras Sagradas, que nos concedeu este privilégio e em cujo espírito confiamos no sentido de cooperar conosco nesta obra digna. Esperamos que a Sua benção esteja sobre a tradução publicada, beneficiando todos que as lêem e usam para aprender Sua santa vontade.”

New World Bible Translation Commitee.
17 de Janeiro de 1961, New York, NY.
Primeira revisão em 1977; segunda revisão em 1983.

domingo, 15 de março de 2015

A Cromoterapia na Umbanda.


A utilização da cor em qualquer religião, ou melhor, em qualquer processo mágico remonta aos tempos mais antigos. A luz é uma vibração energética, da mesma forma que as vibrações mais sutis empregadas na Magia. È perfeitamente sabido da utilização das cores nas mais diversas áreas do conhecimento.
Hoje em dia, o processo de planejamento de hospitais, como foi o caso do Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da tijuca, obedece às técnicas de cromoterapia.
Desde a mais remota Antiguidade, o ser humano vem fazendo uso da cor com as mais diferentes aplicações. Recentemente, uma grande pesquisadora sueca, desenvolveu uma técnica de harmonização baseada na aplicação das cores com o nome de aura-soma.

Os egípcios da Antiguidade, povo de origem da nossa querida Umbanda, sabiam perfeitamente utilizar as cores nos seus diversos rituais. Por exemplo, quando um sacerdote fazia uso de cores nos seus lábios ou nos seus olhos, o fazia dentro de uma rígida técnica cromoterápica. Quando embalsamavam seus mortos utilizavam, também, as cores adequadas ao ritual.
Assim, foi se difundindo todo o estudo desta grande ciência, que aliada ao uso da radiestesia, ou seja, o pêndulo nos ajuda tanto na realização de nossos rituais.

As Cores na Umbanda.

Fazendo agora um, paralelo entre a Cromoterapia e a Umbanda, iremos verificar um perfeito casamento entre a religião e a ciência (sim, a Cromoterapia está fundamentada em conceitos científicos).
Iremos verificar que a exuberância de cores nos rituais Umbandistas tem seus fundamentos no estudo da Cromoterapia.
A seguir, farei uma abordagem de cada Orixá, sua cor e seu significado. Antes, porém cabe-nos lembrar que o Orixá é uma vibração, da mesma forma que a luz. Quando utilizo as cores de um dado Orixá para um trabalho de Magia, é como se estivesse utilizando das mesmas vibrações coloridas da luz para a mesma finalidade.

Oxalá
Iniciando por Oxalá, Orixá da Paz, da Harmonia e do Amor. Suas cores são o branco e o dourado. O branco representando muito bem a paz evocada por este Orixá e o dourado a vibração luminosa que faz a conexão perfeita com a Divindade. Que outro Orixá não traduz melhor esta conexão divina?

Omulu
O preto e o amarelo. O preto simboliza o retorno. É Omulu que faz este retorno através do mundo dos mortos. O amarelo é a mente. Poder mental que unido a este retorno, realiza todas as mudanças necessárias à nossa vida. Omulu é o grande Senhor da Transformação, daí muitas vezes, sua representação estar calcada nas cores roxo e amarelo. O roxo é a maior vibração de transmutação que pode ser sentida. Omulu transmuta todas as nossas dores em alegria, a doença e saúde.

Yemanjá
No azul temos a mais perfeita tradução das deusas femininas. Yemanjá é o símbolo maior da força feminina. Todas as grandes deusas ostentam a cor azul, uma vez que esta cor é considerada a mais feminina de todas as cores. O azul, que da mesma forma que a mãe, acalanta e aconchega. No branco, a Paz. Assim, se faz a união perfeita da Paz com o Amor da grande Mãe, resultando na fertilidade evocada por este grande Orixá.

Nanã
A senhora da transcendência espiritual e das transformações está muito bem expressa no roxo e no lilás, suas cores. Nanã faz a ligação com os diversos planos da espiritualidade, da mesma forma que o lilás. Enquanto isso, o roxo irá transmutar todas as dores e preconceitos para que a mente, liberada, vislumbre estes diversos Planos.

Ossanhe
A cor rosa da Harmonia com o verde da cura, Ossayn se traduz na Senhora das ervas e das curas. É necessária a Harmonia para que se encontrem os meios de se buscar a cura de todos os males.

Oxossi
No verde a cura e o despertar do outro, o despertar de entender que não estamos sós, fazemos parte de uma grande nação chamada Humanidade. Com o vermelho da coragem, a união perfeita para se alcançar, não só a cura de nossos males, mas também a purificação de nossos corpos quando o branco entra e, pela Paz e Harmonia, realiza a grande Magia alquímica de nossa ligação com os mais altos planos a espiritualidade.

Ogum
È o grande guerreiro universal. È o vencedor de todas as nossas demandas internas e externas. È aquele que abre todos os caminhos para que nossa missão se realize. O vermelho lhe cai perfeitamente, principalmente , quando se une ao branco da Paz, mostrando que suas batalhas não trazem tristezas, mas são coroadas pela vitória de todos os seres humanos.

Oxum
A Senhora do Ouro, como por muitos é conhecida, está muito bem representada pela cor dourada. O dourado da mente que não necessita da força bruta para se afirmar. Oxum é a grande senhora que nos mostra a necessidade de depormos nossas armas, sejam elas revólveres ou posturas e abrirmos nossa mente ao novo. Com o azul índigo representando o poder do querer da vontade férrea, Oxum simboliza com as suas cores a realização de um mundo melhor.

Yansã
Sem a energia do coral nada poderia acontecer. È esta vibração luminosa que nos dá a coragem e a determinação para enfrentarmos as mais difíceis situações em nossas vidas. O coral faz com que qualquer energia possa subir qual um chafariz, e transbordar em luz para todos, Quando se junta ao amarelo, Yansã sabe o momento para a tomada de decisões.

Xangô
O marrom da terra traduz perfeitamente esta energia tão mágica que nos dá a sustentação para o resgate de todas as nossas dívidas. Xangô é o grande sábio que traz a Justiça Divina. Junto com o amarelo, harmoniza esta mesma Justiça.
Agora poderemos falar um pouco sobre as falanges:

Exú e Pomba - Gira
Nas cores vermelho e preto, suas cores básicas, encontramos a melhor tradução para estes seres tão queridos e de tanta luz da nossa querida Umbanda. O preto é o símbolo maior do grau mais elevado que alguém pode alcançar no seu processo iniciatório. O vermelho é o símbolo da vida, da força e da energia. Vermelho e preto, juntos, formam a grande união entre a vida na matéria e o processo religioso, ou seja a união, na matéria, do entendimento da verdadeira vida que nossos olhos não enxergam.

Crianças
Conhecidos como Povo Cor de Rosa, sua cor básica. É pura alegria, Amor e Harmonia. Ora, que outros atributos não estariam mais bem representados por esta cor?

Texto retirado da comunidade do Facebook "Alma de Umbanda".

quarta-feira, 11 de março de 2015

Um appatakí* sobre Iroko e Ara-Kolé



Nos princípios do mundo, o céu e a terra tiveram uma discussão. A terra argumentava que era mais velha e poderosa que seu irmão, o céu.  “Eu sou a base de tudo, sem mim o céu se desmoronaria, porque não teria nenhum apoio. Tudo seria fumaça. Eu crio todas as coisas vivas, as alimento e as mantenho.  Sou a dona de tudo. Tudo se origina em mim, e tudo volta a mim. Meu poder não conhece limites.” E seguia repetindo: “Sou sólida, sou sólida. O céu é vazio, não tem corpo. Como podem suas posses ser comparadas com as minhas? Que tem ele, mais que suas nuvens, sua fumaça e sua luz? Valho mais que ele. Ele deveria reverenciar-me”. Obá Olórun não respondeu, mas fez um sinal ao céu para que se afastasse, severo e ameaçador. “Aprende tua lição”, disse o céu enquanto se afastava, “teu castigo será tão grande como teu arrogante orgulho.”  Iroko, a sumaúma, preocupada, começou a meditar em meio ao grande silêncio que se seguiu ao afastamento do céu,  porque Iroko tinha suas raízes fincadas nas entranhas da terra, enquanto seus galhos se estendiam no profundo da intimidade do céu. O sensível coração de Iroko estremeceu de medo ao compreender que a grande harmonia que havia existido desapareceria e que as criaturas terrestres sofreriam terríveis desgraças. Até esse momento o céu havia regulado as estações com terno cuidado, de maneira que o calor e o frio tivessem efeitos benévolos nas criaturas que povoavam a terra. Nem as trovoadas, nem as secas haviam castigado a terra. A vida era feliz e a morte vinha sem dor. As enfermidades e as tragédias eram desconhecidas. A morte era pura, pois não existiam as epidemias. O homem desfrutava de uma longa vida, e a velhice não trazia impedimentos físicos, apenas um desejo de imobilidade, e o silêncio se movia vagarosamente através das veias, buscando deliciosamente sua meta: o coração.  Suavemente os olhos se fechavam, vagarosamente chegava uma escuridão; a morte trazia a felicidade infinita. O fim era um belo ocaso. A bondade pertencia a este mundo e uma pessoa moribunda podia sorrir ao pensar no grande banquete que seu corpo formoso e são ofereceria aos incontáveis vermes que o devorariam. A imaginar carinhosamente o muito que se divertiriam os pássaros ao tirar-lhes seus brilhantes olhos convertidos em sementes. Em seu sonhos, os animais, fraternalmente, pastariam de seus cabelos quando estes se misturassem com o capim tenro e nutritivo, e seus filhos e irmãos comeriam os suculentos tubérculos que foram alimentados por seus próprios ossos e por sua carne. Ninguém pensava em causar danos a ninguém. A natureza ainda não havia dado mau exemplo. Não existiam bruxas malvadas nem plantas venenosas. Ninguém tinha de controlar o poder das forças maléficas que surgiram depois da dor e da miséria.  Tudo pertencia a todos e ninguém tinha de governar, conquistar, nem reclamar posses. O coração humano era puro. O céu e a terra estavam unidos, e o céu ainda não havia enviado seu raio destruidor. Nunca as forças celestiais haviam enviado seu raio para destruir bosques, nem um sol impiedoso havia castigado a terra. O mar era uma calma infinita e nenhum vento furioso se originava nele. Ninguém se sentia intimidado pelo mar. O rato era o melhor amigo do gato, e o veneno dos escorpiões era uma gota de mel. Qualquer monstro tinha uma alma boa e cândida, e a hiena e a pomba tinham a mesma alma.
A feiúra veio, mais tarde, quando chegou o tempo dos sofrimentos. Isso fez Iroko chorar, ele, a árvore mais amada por ambos, o céu e a terra.  Invadiu-o um luto profundo pelo que se perdia. Então a sumaúma produziu suas brancas flores e espalhou sua dor sobre toda a terra. Esta tristeza, que viajou com o vento, penetrou no homem, nos animais e em tudo quanto vivia. Uma tristeza nunca antes sentida encheu todas as almas, Quando, ao extinguir-se a tarde, se ouviu o grito profundo e desconcertante da coruja, foi um novo lamento no silêncio de um ocaso diferente. Iroko estendeu seus braços num gesto de proteção. Essa noite foi uma noite diferente. Uma noite desconhecida, na qual a angústia e o medo fizeram sua aparição na terra, penetrando os sonhos, gerando a Iyondó, dando novas formas e garras características e cruéis à escuridão. No dia seguinte, homem, animal e todas as criaturas vivas se perguntavam assombradas, sem poder dar-se ainda uma resposta, por que ainda não existiam palavras para expressar a confusão e ansiedade. As vozes que se ouviam eram absurdas e ameaçadoras e penetravam no ar e na queda das águas. Um dia inesperado nasceu cheio de trabalhos. O sol começou a devorar a vida. A sumaúma dizia a todas as criaturas que buscavam refúgio sob seus ramos: “Vamos rogar por nossa mãe, a terra, que ofendeu ao céu”. Mas ninguém entendia Iroko, porque ninguém conhecia o significado da palavra ofender.  Lentamente, a terra estava secando. O sol obedecia às ordens de não queimar com seu calor e luz excessivos, mas de ir esgotando as águas pouco a pouco. Naquele tempo, as águas eram todas doces e potáveis, inofensivas, claras, mansas, cheias de virtudes e, como suas gigantescas bocas estavam abertas para o sol, subiram para o céu e foram sustentadas no ar. A terra sentia em suas entranhas os efeitos da fúria de seu irmão, o céu. Sofria terrivelmente de sede.  E, finalmente, lhe implorou em voz baixa: “Irmão, minhas entranhas estão secando, manda-me um pouquinho de água”.  E o céu, longe de aliviar a sede atroz de sua irmã, a encheu de um fogo branco e soprou seu corpo ardente com um vento quente, que, açoitando-a selvagemente, tornava ainda mais aguda a dor das queimaduras. As criaturas da terra sofriam junto com ela o terrível tormento do fogo, da sede e da fome. Porém o martírio de seus filhos era, para a terra, mais cruel do que seu próprio sofrimento.  Submissa, pedia perdão ao céu por seus filhos inocentes, pela erva esturricada e pelas árvores moribundas. O sofrimento fazia com que se perdessem as recordações da felicidade passada. A dor exauria as criaturas até que a última memória da felicidade, antes existente, fosse esquecida. Toda felicidade, agora, era remota e inacreditável. Começaram as maldições. A feiúra entrou no mundo.  Foi então que nasceram todas as desgraças. As palavras se converteram em instrumento de maldade. A paz daqueles que morreram foi perturbada; e aqueles que morriam não podiam descansar na bela paz da noite, cuja doçura era duradoura.  “Perdoa-me”, implorava a terra. Mas o céu, inclemente, guardou suas águas. Tudo era pó inerte, quase todos os animais haviam morrido. Homens como esqueletos, sem água nem alimentos para manter-se, continuavam a tarefa de cavar o martirizado corpo da terra em busca de água e de forças para devorar os que jaziam impotentes sobre as rochas nuas.  Toda a vegetação havia desaparecido  e somente uma árvore, em todo aquele mundo árido, com sua gigantesca copa, permaneceu verde e saudável. Era Iroko, que desde tempos imemoriais havia reverenciado o céu. À sumaúma dirigiam-se os mortos em busca de refúgio. Os espíritos de Iroko falavam com o céu constantemente, tratando de salvar a terra e suas criaturas. Iroko era o filho predileto da terra e do céu.  Seus poderosos galhos acolhiam os que buscavam sua sombra e seu refúgio, sendo capaz de resistir ao castigo Olórun.  Iroko dava instruções aos que podiam penetrar no segredo que estava em sua raízes.  Estes conheceram a grandeza da ofensa e então se humilharam e se purificaram aos pés da sumaúma, fazendo súplicas e sacrifícios. Assim, a erva miúda que havia a seu redor, os animais quadrúpedes, os pássaros e os homens que ainda restavam vivos e se tinham tomando clarividentes realizaram o primeiro sacrifício em nome da terra.

Como o céu havia se afastado, escolheu-se a cigarrinha como mensageira para levar a oferenda ao céu. A cigarrinha era o mais leve de todos os pássaros e provavelmente poderia alcançar as grandes alturas do céu. A cigarrinha levantou vôo, mas não pôde chegar a seu destino. Na metade do caminho caiu vítima da fadiga. Então o papa-mosca foi escolhido por sua audácia e constância, mas não teve melhor sorte. Outros pássaros foram enviados, mas suas asas quebravam-se ou seus corações falhavam ao atingir certa altura, e se precipitavam de volta à terra. Então o pássaro Ara-Kolé disse: “Vou levar as súplicas ao céu e estou certo de que só eu poderei chegar à outra margem”. Todos olharam com grande desprezo esse pássaro repulsivo, sombrio e horroroso que falava em tais termos. Nesse momento, o intrépido animal, que era um grande voador, partiu com as oferendas para o céu e logo perdeu-se de vista. Entretanto, o rápido pássaro também caiu e a terra pareceu ter perdido sua última esperança.  Todos começaram a perguntar-se se aquele pássaro bobo e pesado, tão feio, que se alimentava devorando cadáveres, seria capaz de levar a cabo sua missão. Aquele animal pestífero e feio era sua última esperança. Assim Ara-Kolé partiu de novo, levando consigo a última súplica da terra que, sem muita confiança nessa missão, pensava que sua causa estava perdida. Mas Ara-Kolé voou incansavelmente e com serenidade durante dias e noites, até o outro lado do céu.  Passou à margem e voou ainda mais longe, depositando as oferendas, e fazendo com que as palavras da terra fossem ouvidas. Dizia:  “Céu, a terra me enviou para implorar tua clemência. Os filhos e as criaturas da terra te pedem perdão. São teus servos e desde o mais profundo de seus corações imploram misericórdia.  Senhor, a terra está morrendo lá embaixo. Galinhas, galos, pombas, ovelhas, cachorros, gatos, todos nós estamos morrendo. Perdoa-nos, pedimos-te de coração”. Depois que ouviu esta súplica, o céu voltou seus olhos para a terra. Fazia muito tempo que o céu não lançava nenhum olhar para a terra. Então a viu na nudez de sua morte. Vendo que agora o reverenciavam devotamente e com fervor, aceitou as oferendas da terra. “Perdôo a terra”, disse o céu à Ara-Kolé. Nesse momento, as criaturas da terra viram como as nuvens se enchiam desde os quatro cantos do céu, e ouviram o coaxar das rãs líquidas que vinham nas nuvens ou que ressuscitavam do pó morto. Ruidosamente, as águas começaram a precipitar-se desde o abismo em que haviam sido contidas, e desceram em grandes borbotões até chegar à terra. Ara-Kolé voou dia e noite pelo espaço, fugindo do dilúvio que ameaçava afogá-lo. Quase o alcança quando, indomavelmente, as águas se derramaram sobre a terra formando um grande lago. Graças a Iroko, as criaturas se salvaram do dilúvio. A terra bebeu água e saciou a sua sede, gerou, cobriu sua nudez com novo verdor, dando graças ao céu. Entretanto, nunca a terra voltou a conhecer os dias felizes do começo. O céu nunca mais prestou muita atenção, cuidado ou afeto à terra, que agora lhe era indiferente. E todo mundo sabe como tem sido a vida desde aquele dia.

* = é o termo que se usa em Cuba, entre os iorubás, para designar os mitos

Texto retirado de:http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/uploads/2009/05/irokoeara-kole.pdf

segunda-feira, 9 de março de 2015

Peregun.

Mukuiú à todos! Em uma conversa com Pai Edivino, ele nos incitou a procurar saber mais a respeito da planta PEREGUN. Bom depois de um apanhado na internet, fiz um resumo do todo, que vai abaixo para que todos possam se beneficiar da "dica". Imagino que ela tenha muito em comum com Iroko (Gameleira Branca) e pedirei ao Pai Edivino que nos faça um resumo com essa correlação.

Peregun.

PEREGUN

Diz-se ser "O Rei que desperta as divindades na Terra". Seu nome é Yorubá e significa: "chamar (invocar) espíritos. Onde "PE" = Chamar e "EGUN" = Espírito, Ancestral.

É considerada uma árvore sagrada, uma "divindade", e é costume vê-la plantada em terreiros, lugares sagrados para os Orixás e junto ou próxima de seus assentamentos.

Pelo nome da árvora já temos uma pista a respeito de sua finalidade, a de chamar (invocar) espíritos. O povo ancestral Yorubá acabou fazendo um trocadilho, que se Peregun pode chamar espíritos, então também pode chamar a riqueza.

Em Osogbo, existem muitos Pereguns próximos ao assentamento de Oxum, que tem Peregun como árvore sagrada dentro de seu culto e suas folhas são essenciais ao mesmo.

Árvore Africana que difundiu-se no Brasil na época infeliz do tráfico de escravos.

Muito popular nas casas de Candomblé (também nas de Umbanda), tendo uma utilização bastante variada, sendo indispensável na composição do banho litúrgico do candomblé (Àgbo), banhos de defesa, sacudimentos, medicinal, magias, etc. É uma árvore que possui a regência de vários Orixás, entre eles: Exú, Ossaim, Ogum, Oxóssi, Obaluaê e, principalmente, Oxum.

É uma folha de excitação (gún), masculina e ligada ao elemento terra. Sua ligação com Oxum se dá pelo fato dessa planta, em seu caule, conseguir armazenar grande quantidade de água, não sendo a toa um de seus nomes populares no Brasil ser PAU D'água.

Diz-se, muitas medicinas são realizadas com Peregun, tanto para chamar e obter sorte, riqueza, etc, quanto para agradar as feiticeiras.

Como folha de excitação (gún), tem o poder de despertar o transe, por isso ser a primeira das folhas a serem utilizadas no banho de iniciação.

Na África, os assentamentos de Oxum, muitas vezes, são colocados na copa da árvore, no Brasil isso acontece com Ogum. É, também, muito utilizado como cerca viva em torno do assentamento de Ogum, além de ter grande utilização nos banhos de sacramento dos objetos litúrgicos de Ogum, Oxóssi e Ossaim.

Lenda de Peregun.

Ifá dissera, quando Pèrègún o procurava pela sorte: “Pèrègún, se você quiser ter sorte, deverá ajudar a humanidade, fazendo um pacto com as Ajé (Yiámi Osorongá), para sempre ter e poder emanar a sorte, para quem lhe procurar por ajuda.
Foi então que Pèrègún fez um pacto com Aje antes de vir ao mundo, mas não tinha quem o pudesse levar para Àiyé (Mundo material, Terra).
Novamente foi a Ifá, e este dissera: “Pèrègún se você quiser realizar o seu trabalho em Àiyé procure por “Ògún”, pois ele sempre está indo para Àiyé.
Pèrègún procurou por “Ògún”, mas Ogún só levaria Pèrègún, se ele dividisse a sua sorte com Ogún.
Foi então que Pèrègún aceitou o pacto, e por essa razão “Ògún” lhe dissera: “Vou dizer a toda humanidade, que Pèrègún emana a sorte, e quem com ele ficar será agraciado com a mesma”.
Desde então Pèrègún então foi conhecido, e muito procurado por todos em Àiyé.

“Peregun”, a sorte de nossos opositores ficam a nosso favor.

Obras no Terreiro 3 parte

Mukuiú, pessoal. Nesse final de semana tivemos a grata ajuda de um profissional e a obra andou bem. Abaixo algumas fotos do andamento da obra, que pretendemos terminar até o final de semana que vem, pois já temos que começar a pensar no churrasco do Veludo. Lembro à todos que ainda precisamos de doações de material de construção, produtos de higiene e limpeza e cestas básicas, quem puder contribuir será de grande ajuda.

 Vista atual Noturna.
 Ogã João Paulo de Ogum fazendo as devidas medições.
Irmãos Renato de Ogum e Fernando de Obaluaê e Ogã Ian de Obaluaê na labuta.
 Defumação.
 Entrada atual do Terreiro.
 Idem anterior.
 Criançada.
 Vista da fachada interior do Terreiro no meio da obra.
 Cumeeira.
 Elas também estão presentes e ajudando. Faltando gente.
 Metalurgia.
 Com um profissional fica fácil...

 À adicionar legenda.
 Pai Edivino no fechamento,
 Vidro para aproveitamento da luz solar e economia de energia. 
Outras ações  sustentáveis ainda serão implementadas.
 Ogãs Francis de Ogum e Ian de Obaluaê na metalurgia.
 E ainda tem um tempinho para um sambinha.

Em breve mais informações a respeito da obra.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Orixá Irokô

Como essa semana nos deparamos com Irôko na fazenda dos irmãos Wal e Ana, peguei um breve texto que explana algumas coisas a respeito deste grande Orixá Irôko. Em breve mais informações.



Dia da Semana: Terça-feira.

Cores: Branco, Verde (ou Cinza)castanho

Símbolo: tronco

Domínios: Ancestralidade

Saudação: Iroko Issó! Eró!Iroko Kissilé.

Iroko é um Orixá muito antigo. Iroko foi à primeira árvore plantada e pela qual todos os restantes Orixás desceram à Terra. Iroko é a própria representação da dimensão Tempo. Iroko é o comandante de todas as árvores sagradas, o vanguardeiro, os demais Osa Iggi devem-lhe obediência porque só ele é Iggi Olórun, a árvore do Senhor do Céu.

Iroko, Iroco ou Roko (do iorubá Íròkò) é um orixá cultuado no candomblé do Brasil pela nação Ketu e, como Loko, pela nação Jeje. Corresponde ao Inquice Tempo na nação Angola ou Congo.

Em todas as reuniões dos Orixás está sempre presente Iroko, calado num canto, anotando todas as decisões que implicam directamente na sua acção eterna. É um Orixá pouco conhecido dos seres vivos ou mortos, nascidos ou por nascer. Toda a criação está nos seus desígnios.
É o Orixá Iroko, implacável e inexorável, que governa o Tempo e o Espaço, que acompanha, e cobra, o cumprimento do Karma de cada um de nós, determinando o início e o fim de tudo.

Conhecido e respeitado na Mesopotâmia e Babilónia como Enki, o Leão Alado, que acompanha todos os seres do nascimento ao infinito; cultuado no Egipto como Anúbis, o deus Chacal que determina a caminhada infinita dos seres desde o nascimento até atravessar o Vale da Morte. Também venerado como Teotihacan entre os Incas e Viracocha entre os Maias como o Senhor do Início e do Fim; também presente no Panteão Grego e Romano, onde era conhecido e respeitado como Cronus, o Senhor do Tempo e do Espaço, que abriga e conduz a todos inexoravelmente ao caminho da Eternidade.

É o Tempo também das mudanças climáticas, as variações do tempo-clima. Guardião das florestas centenárias é o colectivo das árvores grandiosas, guardião da ancestralidade.

Em África, a sua morada é a árvore iroko, Milicia excelsa (antes classificada como Chlorophora excelsa), chamada “amoreira africana” na África de língua portuguesa. É uma árvore majestosa, encontrada da Serra Leoa à Tanzânia, que atinge 45 metros de altura e até 2,7 metros de diâmetro.

No Brasil, onde essa árvore não existe, diz-se que Iroko habita a gameleira branca, Ficus gomelleira ou Ficus doliaria (também chamada figueira-branca, guapoí, ibapoí, figueira-brava e gameleira-branca-de-purga). Nos terreiros, costuma-se manter uma dessas árvores como morada de Iroko, assinalada por um “ojá” (laço de pano branco) ao seu redor.

Iroko representa a ancestralidade, os nossos antepassados, pais, avós, bisavós, etc., representa também o seio da natureza, a morada dos Orixás.
Desrespeitar Iroko (a grande e suntuosa árvore) é o mesmo que desrespeitar a sua dinastia, os seus avós, o seu sangue… Iroko representa a história do Ilê (casa), assim como do seu povo… protegendo-o sempre das tempestades.

Ao contrário da maioria dos orixás, este não costuma “baixar” nas festas de santo. É reverenciado por meio de oferendas à árvore que o representa. Os animais a ele consagrados são a tartaruga e o papagaio.

Iroko é um Orixá pouco cultuado tanto no Brasil como em Portugal, e os seus filhos também são muito raros. Os seus filhos, no entanto, são sempre muito protegidos pelo seu Orixá.

Características dos filhos de Iroko

Os filhos de Iroko são tidos como eloquentes, ciumentos, camaradas, inteligentes, competentes, teimosos, turrões e generosos.

Gostam de diversão: dançar e cozinhar; comer e beber bem.

Apaixonam-se com facilidade e gostam de liderar.

Dotados de senso de justiça, são amigos queridos, mas também podem ser inimigos terríveis, no entanto, reconciliam-se facilmente.

Um defeito grande, é o facto de não conseguirem guardar segredos.

Iroko Kisselé; Eró Iroko issó, eró!

Texto extraído do site: https://ocandomble.wordpress.com

História do Omolokô

Leitura do texto sugerida pelo Pai Edivino de Obaluaê.

História do Omolokô
Segundo nosso entendimento, o Omoloko começou a existir como uma das variantes de religião afro-brasileira que passou a ser praticada no Brasil a partir de algum tempo no passado, depois da chegada dos escravos negros. Provavelmente de maneira precária no início, pela falta de liberdade dos escravos para qualquer tipo de organização, mas, com o decorrer do tempo e com as leis que foram aos poucos mudando as condições de vida dessas pessoas, de maneira mais organizada e completa – e o Omoloko, nesse particular, em nada difere das outras variantes religiosas afro-brasileiras. O que o torna particular é que ele se estruturou inteiramente no Brasil, tendo influência de diversos rituais religiosos africanos, principalmente os dos povos que vieram de regiões que hoje são o Congo, Angola, Moçambique, Nigéria, Benin, Camarões – e, portanto, diferente dos Candomblés, por exemplo os de origem Yoruba, que ainda hoje guardam forte predominância de influência de sua região de origem, e aqui se organizaram obedecendo a um padrão religioso e cultural já preestabelecido nessas origens.
O Omoloko fazia parte do que se chamava, nos fins do século XIX e início do século XX, de Makumba, no Rio de Janeiro; segundo os estudiosos, também a Makumba se originou de diversas procedências, conforme a influência de suas regiões de origem na África; assim, existia a Makumba Mina, a Rebolo, a Cabinda, a Congo, etc.
O Omoloko organizou-se majoritariamente na Zona da Mata em Minas Gerais, no estado do Rio de Janeiro, no nordeste do estado de São Paulo e em parte do Espírito Santo; o nome é Yoruba e existem várias opiniões a respeito de seu significado. Uns dizem que significa "filhos do tempo", porque no início, devido à falta de recursos, seus adeptos praticavam-no ao ar livre, ou debaixo das árvores, ou debaixo das árvores chamadas Iroko. Outros atribuem à palavra sentido mais literal e abrangente, como "filhos da fazenda", ou mesmo "filhos da roça", designando os negros vindo do meio rural e que professavam tal religião, haja vista serem muitas dessas organizações estabelecidas mesmo nas roças, ou em áreas afastadas das cidades.
O Omoloko praticado por nós foi instituído por uma escrava, nascida na África, que no nosso meio ficou conhecida como Maria Batayọ.
História de Batayọ
Maria Batayọ nasceu por volta de 1.797 na África. Veio com vinte anos como escrava para o Brasil, para trabalhar numa fazendo do estado do Rio de Janeiro. Foi embarcada no Forte da Mina e tinha procedência Mina Je San, segundo uma das versões; outra versão conta que Batayọ era uma negra Bini, que são os habitantes da região da cidade de Benin na Nigéria, povo que reivindica para si descendência dos Yoruba de Ife. Seus contemporâneos de culto afro-brasileiro no Brasil diziam dela que era Nago, quando queriam compará-la com outros praticantes do Omoloko. Já veio feita da África, era de Nanan e foi feita por Sanguerabu, um africano que nunca pisou o solo brasileiro e que era das terras de Egun (também conhecido como Popo ou Je), povo de língua da família Ewe, nas cercanias de Porto Novo, na Baía de Benin, no litoral do antigo Daomé, atual Benin.
Seu nome, de fato, parece ter sido Tayọ. Era chamada assim na fazenda em que trabalhou. "Ba" talvez tenha sido agregado mais tarde, talvez nos meios religiosos afro-brasileiros que freqüentou, e "Maria" foi o nome adotado em terras brasileiras.
Batayọ era escrava doméstica e trabalhava na cozinha; teve impaludismo (malária) e curou-se tomando chá de fedegoso. Enquanto esteve doente e convalescendo, uma prima sua, não escrava, muito boa cozinheira, foi ajudá-la nos serviços. Batayọ aprendeu muito com essa prima e se revelou com ótimas qualidades, acabando por se transformar numa cozinheira tão boa quanto a outra.
A pedido da filha da fazendeira, Sinhazinha, Batayọ foi transferida para outros serviços domésticos, dentro da casa grande. Nesse tempo, Sinhazinha namorava um rapaz de uma fazenda vizinha e, passeando com ele a cavalo, caiu e machucou a cabeça. Ficou muito mal e foi salva por Batayọ, mas esteve pelo resto da vida sujeita a crises nervosas e, por isso, passou a ser cuidada pessoalmente por Batayọ, a quem se apegou ainda mais.
Sinhazinha casou-se com esse namorado, do qual teve alguns filhos, entre mulheres e homens. Um desses homens tornou-se major do Exército, e mais tarde foi feito no santo por Batayọ, na futura Roça dela, no morro de São Carlos, na cidade do Rio de Janeiro.
O marido de Sinhazinha, um dia, castigou demais um escravo, mandando chicoteá-lo no tronco até quase à morte. O negro sobreviveu e depois de recuperado matou o fazendeiro a facadas. Sinhazinha, prejudicada pelo seu estado nervoso, ao saber do ocorrido, teve um colapso e morreu. Só que, antes disso, já havia alforriado Batayọ, como recompensa pelo cuidado que sempre tivera com ela, e depois com seus filhos, ajudando-a a criá-los; além disso, ainda lhe comprara o terreno do morro de São Carlos, para que um dia Batayọ tivesse onde morar, datando daí a posse desse terreno.
Quando Sinhazinha morreu, por volta de 1.867, Batayọ tinha cerca de setenta anos. Muito velha para viver na fazenda, veio para a cidade e ocupou sua terra no morro de São Carlos, fundando a Roça e iniciando sua vida de mãe-de-santo.
Batayọ casou-se no Brasil, teve vários filhos naturais e fez vários filhos-de-santo em sua Roça. Apesar de ter vindo feita da África, aprendeu com africanos ex-escravos muito sobre os fundamentos das religiões africanas praticadas aqui no Brasil naquela época, especialmente o Omoloko, tanto durante o período em que viveu na fazenda quanto em seu primeiro ano na Roça do morro de São Carlos.
Batayọ teve vários filhos-de-santo:
Leocádia, de Oşoọsi Arranca Toco, iyalorişa.
Mané Bertolino, babalorişa que fez Severino, de Şango, por sua vez babalorişa que fez Chico Diabo, ogan; Leba Jui, babalorişa e Manezinho, de Ogun, babalorişa. Manezinho fez Sizenando, de Yemọja, babalorişa.
Tuti, de Şango, babalorişa.
Heitor, de Şango, babalorişa que fez Saul, de Ogun, babalorişa.
Joana de Yemọja, iyalorişa que fez Délia, de Ọya, iyalorişa, e Maria-Faz-Força, de Iyasan, iyalorişa, que fez Bibi, de Oşoọsi, iyalorişa, que fez Antoninho, babalorişa, de Oşoọsi Folha Seca.
Tomate, de Ogun, pejigan e filho natural mais novo de Batayọ, a quem ela ameaçava punir com uma "coça" quando achava que ele não se comportava de maneira correta. Isso foi presenciado por Fujẹko que, quando contava, ria, visto que Tomate, por essa época, já havia passado dos 80 anos de idade – segundo ele, mais de 84 anos.
Guiomar de Mungongo, de Oşoọsi, iyalorişa, que fez Miguelão, de Şango, ogan.
Mano Otávio, de Şango, babalorişa.
Roxinha, de Ọşun e Oşoọsi, iyalorişa, também filha natural de Batayọ, que junto com Henriqueta completou as obrigações de Fujẹko.
Henriqueta, de Nanan, iyalorişa que junto com Roxinha completou as obrigações de Fujẹko, de Şango Agodo, e lhe deu o deka, confirmando-o babalorişa.
Edgar Canivete, de Şango Alafin, babalorişa.
Guiomar de Şango de Ouro, de Şango, iyalorişa.
Tio Mina.
Jerônimo, de Şango.
Hildebrando, ogan.
O major, filho da Sinhazinha.
Maria.
Fujẹko de Şango Agodo (Gérson Gentil de Azevedo).
Batayọ morreu aos 129 anos, por volta de 1926, na Roça do morro de São Carlos, onde, além de ter sua Casa-de-Santo, também morava. Anunciou sua própria morte algum tempo antes. Nove pessoas presenciaram sua passagem: Samuel, "Seu" Chaves, Ricardina, Henriqueta, Mistura, Tuti, Tẹko, Edgar Canivete e Fujẹko, que tinha então 13 anos de idade. Para este último, ela disse que, quando ele tivesse entre 36 e 39 anos de idade, alguém, que não estava ali, iria cobrir sua casa de flores e pétalas no chão, para receber o Santo dele, no momento em que ficasse pronto. De fato isso aconteceu, quando Lili, que não era filha de Batayọ, nem de sua descendência nem ascendência e que sequer chegou a conhecer Batayọ, ficou encarregada disso na casa onde Fujẹko mais tarde residiria, depois de concluídas suas obrigações com Roxinha e Henriqueta.
Roxinha, sua filha natural e filha-de-santo, fez o aşeşe de Batayọ, tirou a mão-de-vumi dos filhos de Batayọ e deu saída ao ẹbọ de seus Santos. Depois disso, a Roça do morro de São Carlos esteve fechada por seis meses, ficando Roxinha como sua sucessora.
Vinte anos após morreu Roxinha, por volta de 1.946. Henriqueta ainda ficou na roça, mas os netos de Batayọ tomaram posse da propriedade e o Terreiro acabou. Henriqueta fundou então um Terreiro em Bento Ribeiro, na cidade do Rio de Janeiro, e morreu quatro anos após Roxinha, por volta de 1.950.
Os contemporâneos de Batayọ e seus respectivos descendentes que praticavam o Omoloko no Rio de Janeiro eram:
1. Dona Jeje, de Şango, iyalorişa; viveu perto de 100 anos.
2. Chica Boi, de Iyasan e Oşoọsi, iyalorişa; viveu perto de 70 anos. Fez: Orlandino da Cobra Coral, de Oşoọsi, babalorişa, que fez Orlando do Pó, de Omolu, babalorişa, Virgílio Cipozeiro, de Oşoọsi, babalorişa, e Mistura, de Ogun, alabe.
3. Mosinha, de Ọşun, iyalorişa, viveu perto de 100 anos; era filha-de-santo de Tia Chica de Vavá, de Yemọja com Şango, que era negra nagô, viveu perto de 90 anos e morreu em Abolição, Rio de Janeiro. Mosinha teve os seguintes filhos-de-santo: Cai n'Água, de Oşoọsi e Ọşun, babalorişa; Ricardirna, de Oşala, iyalorişa, que fez Ana Cachorro, de Iyasan, runsol e Alexandre de Ọbaluaiye, babalorişa; Zé Spingéli, nome provável José Gomes da Costa, de Şango, babalorişa, que fez Cecília, iyalorişa e Cacheado, de Iyasan, babalorişa, que fez Lili do Coqueiro, de Oşoọsi, iyalorişa, que fez Lourdes, iyalorişa, que abandonou o Omoloko e passou para o Candomblé Angola, tornando-se filha de Néris. Antes, Lourdes havia feito Ildérica, de Ọbaluaiye e Yemọja, que no ínicio da década de 1.970 tinha uma casa de Omoloko em Sobradinho, cidade satélite de Brasília.
4. Deawe, de Oşoọsi, babalorişa, filho natural de Batayọ, viveu perto de 100 anos. Fez Custódio Caravana, de Oşoọsi Arranca Toco, babalorişa que viveu 72 anos.
5. Sarah, viveu perto de 100 anos. Fez os seguintes filhos-de-santo: "Seu" Chaves, de Ogun Meje, babalorişa; Samuel, de Şango, oşogun; Mano Elói, nome provável Elói Antero Dias, de Şango, babalorişa; Benedito Perna Seca ou Benedito Espírito Mau, de Iyasan, babalorişa.
6. Tião, de Şango, viveu 60 anos.
7. Dona Mariquinha, de Ọşun, iyalorişa. Fez: Tiana, de Ogun, iyalorişa; Porfírio, de Şango, oşogun; Tia Cláudia, de Iyasan Garuana, iyalorişa; Maria Capoeira, de Oşoọsi e Iyasan; Guaraná, de Şango, babalorişa, que fez Dona Chica, de Ọşun, iyalorişa, que fez Tia Josefa, iyalorişa, que fez Maria Augusta, de Omolu, iyalorişa, que fez Sinhô, de Oşoọsi, babalorişa, e Djama de Alalu, de Oşoọsi e Iyasan, que abandonou o Omoloko, passando para o Candomblé Ketu, filho de Fumotin, por quem acabou sendo feito para Eşu Lalu.
8. Chica Velha (tronco vindo da Zona da Mata de Minas Gerais, conhecida nessa época por "África Mineira"), iyalorişa, que fez Lili, de Şango e Ọşun, iyalorişa.
9. Eleotério, viveu perto de 110 anos, de Omolu, babalorişa, fez: Soféria do Soferão, de Osanyin, iyalorişa, que fez Sinhô de Sete Pedras, de Iroko, babalorişa.
10. Chico Velho, de Oşumare, babalorişa. Fez Neném do Bambual, de Ọşun, iyalorişa, que fez Ercília de Arruda, de Ogun e Ọşun, iyalorişa.
11. Maria de Nanan Buruke, de Nanan, viveu 80 anos, iyalorişa, que fez "Seu" Domingos, de Şango, babalorişa; Militão, babalorişa, que fez Paulo Demandista, de Oşoọsi, babalorişa.
12. Tio Chico, de Ogun, babalorişa, irmão natural de Batayọ.
13. Bakayọdẹ, morreu com 105 anos; era babalorişa de Şango e tinha um irmão-de-santo, La Grossa, de Bẹsẹn, babalorişa.
14. Inhá, de Iyasan, iyalorişa, que fez: Ezinho, de Ọşun, ogan; Raul, de Oşoọsi, alabe; Farrel, de Oşoọsi, alabe; Geraldo, de Ogun, ogan; Cláudio, de Şango das Almas, babalorişa.
15. Tia Fé, nome provável Fé Benedita de Oliveira.
Nota sobre a origem de Maria Batayọ
Para tentar descobrir a origem de Batayọ, ou Tayọ, partiremos do princípio muito provável que o nome dessa yalorişa seja Yoruba e que Sanguerabu seja um nome pertencente a uma língua da família Ewe. Essa afirmação baseia-se também na história contada acima e no fato óbvio de que Batayọ teria que ter convivido com Sanguerabu. Os dados conhecidos, aparentemente inconciliáveis, dão a ela diversas origens, ou seja, Nago, Mina Je San, Bini e de procedência do Porto da Mina. Há ainda o fato de ela ter nome Yoruba e ser filha-de-santo de um babalorişa de origem Egun, povo também conhecido como Popo ou Je.
Pensamos que, sendo Batayọ Bini, ou descendente de Bini, seria ela também Yoruba. Conforme já vimos, o povo Bini se considerava descendente dos Yoruba de Ife, e muito provavelmente, então, ela teria convivido com Sanguerabu, ou em terras Yoruba, ou em terras dos Egun (ou Popo ou Je), ou em terras de fronteira ou de vizinhança desses dois povos. No primeiro caso, sendo Bini, poderia ter nascido e se criado numa região de fronteira, o que era uma possibilidade concreta, pois havia povos, entre eles os Egun (ou Popo ou Je), todos de língua da família Ewe, que ocupavam a região litorânea da Baía de Benin, indo desde o Gana, no sentido oeste-leste, até Badagri, onde se encontravam com os Bini, que habitavam a parte litorânea dessa região e que vinham desde a Cidade de Benin, no sentido oposto, leste-oeste. Já os Yoruba localizavam-se no interior desse litoral.
Sendo ela de descendência Bini, teriam seus antepassados migrado para uma região que fizesse fronteira com Egun (ou Popo ou Je), mas que fossem terras Yoruba e não terras Bini. Essa região poderia ser a antiga Província de Colônia, que circundava Lagos, ou até mesmo essa cidade da Nigéria. Hipótese também possível, visto que, nessa cidade, no século XV, foi estabelecida uma dinastia Bini, tendo Lagos pago tributos a Benin até 1830. Além disso, houve um intenso comércio de negociantes escravagistas portugueses entre essas duas cidades.
Maria Batayọ poderia ter nascido também em um distrito chamado Egun-Awori, na região de Badagri, no antigo Protetorado Britânico, perto de Lagos, onde a população era constituída de pessoas de Egun e de Awori. Awori é um povo que se estabeleceu em Lagos na época da dominação Bini sobre essa cidade; neste caso, por exclusão, não sendo Awori, pois isto não foi mencionado como sendo uma de suas origens, ela seria Je, como conta sua história – Je (ou Egun ou Popo), ou de origem Yoruba e nascimento Je.
Outra origem provavel seria nas terras dos Anago, ou Nago, região no interior do antigo Daomé, que fazia fronteira com o reino de Ketu, com as terras dos Egbado e as dos Awori no interior e com os Egun (ou Popo ou Je), no litoral. Ali existiam comunidades Egbado, de população majoritariamente constituída de uma mistura de Anago (ou Nago), e Egun (ou Popo ou Je), o que nos levaria a supor que ela poderia ser Anago (ou Nago). Essa hipótese confirma mais uma vez sua condição Yoruba, sendo ou não de descendência Bini, visto que, para os daomeanos, todos os Yoruba do Daomé eram considerados Nago (ou Anago).
Existia também um povo denominado Ahori, que talvez não tenha origem Yoruba mas que adotou língua e cultura Yoruba e habitava as terras dos Anago, já na fronteira com os Ketu. Esse povo se autodenominava Dje. Os Egun (ou Popo ou Je) os conheciam, tanto que os chamavam de Holi. Os Ahori não habitavam terras que fizessem fronteira com aquelas ocupadas pelos Egun (Popo ou Je), mas poderiam se relacionar com eles. Isso é possível pelo fato de que tanto os Egun (ou Popo ou Je) das comunidades Egbado quanto os Ahori (ou Holi ou Dje) habitarem as terras dos Nago (ou Anago). Se Batayọ tivesse nascido aí, seria uma Dje, mas talvez fosse considerada também Yoruba pelos Egun (Popo ou Je), pelo fato de ser Bini. Nesse caso também seria considerada Nago (ou Anago) por eles, por ser Yoruba do Daomé. Assim Batayọ tanto seria Dje, Je, Nago, Yoruba descendente de Bini ou Bini.
No Rio de Janeiro, no século XIX, período em que Batayọ chegou ao Brasil, os Yoruba que desembarcavam na cidade procedendo de qualquer região da África ou do Brasil eram chamados de Nago. Analisando por esse ângulo, Batayọ poderia ser considerada Nago pelos seus contemporâneos no Brasil por ser mesmo Nago, sendo Yoruba do Daomé, ou por ser realmente Yoruba de outra região africana. O fato de também ser considerada Mina pode ser explicado por ela ter embarcado para o Brasil no Forte da Mina, que fica na região conhecida igualmente como Costa da Mina, que abrange o Forte de São Jorge da Mina, em Gana, e a Baía de Benin. Nesse caso ela seria conhecida como Mina-Nago, como eram denominados os Yoruba embarcados na Costa da Mina levados para o Rio de Janeiro no século XIX.
Porém Batayọ era Mina Je San. Ela poderia ser Je (Popo ou Egun), conforme já vimos. Além disso, Dewae, um de seus filhos naturais, tem nome de origem provável Je. Ora, já sabemos por que ela poderia ser Mina. Mas para ser Je, aparentemente não poderia ser Yoruba, mas seu nome é Yoruba. Poderia ainda ser considerada Yoruba mesmo se tivesse nascido em terras Je, caso fosse descendente de Bini, de acordo com o já visto. Nesse caso ela poderia ser tida como Nago no Brasil, sem nenhuma contradição em ser Mina Je.
O que concluímos é que não podemos ainda precisar o local exato do nascimento de Maria Batayọ, talvez porque falte desvendar o que seja San na palavra Jesan ou na frase Je San. Talvez, mesmo se descobrirmos, não possamos decifrar a questão. No entanto, se não apresentamos nenhuma novidade para muitos leitores, pelo menos afirmamos alguns pontos que consideramos como certos: Batayọ ou era das terras dos Nago do antigo Daomé, atual Benin, ou era da região de Lagos/Badagri na Nigéria – e, com certeza, era Yoruba no sentido mais amplo da palavra.
História de Fujẹko
Fujẹko, Gérson Gentil de Azevedo, nasceu na casa de número 12 na rua Cândido Benício, que sai do Largo do Campinho e vai para Jacarepaguá, em Cascadura, Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1.913. Eram duas casas, a de número 10 e a 12, que ficavam ao lado de um posto de saúde, e talvez já não existam. Era filho de Gelásio Gentil de Azevedo, baiano, e Graziella Bayão de Azevedo, sergipana, que faleceu quando Fujẹko contava com seis anos de idade.
Teve os seguintes irmãos: José Salvador Bayão de Azevedo, o Zequinha, ou Bayão; Moacir Bayão de Azevedo; Lourdes Bayão de Azevedo; Haydê Bayão de Azevedo, que morreu intoxicada aos quatro anos de idade; Zuleika Bayão de Azevedo e Jair Bayão de Azevedo, gêmeos, sendo que Jair morreu com cerca de quatro meses de idade.
Segundo o próprio Fujẹko, desde muito cedo, aos sete anos, ele bolou para o Santo; então, Dona Lúcia [vizinha de sua família ao tempo em que Fujẹko era criança, no Largo do Campinho, antigo beco Maria José], mãe de quatro filhos [Lara, Pedro, Jovem (mulher) e Anenor], amiga da família em decorrência de vizinhança, levou Fujẹko para o Terreiro de Tio Abẹdẹ.
Fujẹko, porém, ali não ficou muito tempo, indo para a Casa de Tia Chica de Vavá, de onde saiu para a casa de Batayọ, aí ficando até depois da morte dela, lá permanecendo com Roxinha e Henriqueta.
Batayọ iniciou Fujẹko, seu trigésimo-sexto e último filho-de-santo. O major, filho da Sinhazinha, foi quem custeou a obrigação dele. Sua mãe-criadeira foi Maria de Lembra Tudo. Roxinha e Henriqueta fizeram as obrigações posteriores e Henriqueta lhe deu o dẹka – e quem recebeu o seu Santo com flores, na casa onde então morava, foi Lili, isso entre os 36 e 39 anos de Fujẹko, entre 1949 e 1952, ou seja, quando Roxinha já tinha falecido, e como predissera Batayọ.
Bakayọdẹ, de Şango, irmão-de-santo de Batayọ, foi quem deu e ensinou o jogo de búzios para Fujẹko. Após aprender e receber o jogo, a primeira pessoa para quem Fujẹko jogou foi o próprio Bakayọdẹ. Nesse jogo ele viu a morte de Bakayọdẹ.
Fujẹko, antes de ter Casa, ficou no Terreiro de Ercília, de Caboclo Arruda, de Ogun e Ọşun, iyalorişa, durante 10 anos, provavelmete desde 1944, dois anos antes da morte de Roxinha e seis antes da morte de Henriqueta, até 1954.
Embora tenha sido feito em casa de Batayọ, disse que aprendeu muito do que sabia com Custódio Caravana, de Oşoọsi, babalorişa, filho de Deawe, filho natural de Batayọ.
Fujẹko fundou sua Casa-de-Santo, denominada Tenda Espírita dos Humildes, em 4 de dezembro de 1954, no Beco Rita Vieira, hoje Rua Rita Vieira, número 40, em Madureira, Rio de Janeiro, então Distrito Federal.
Fujẹko teve muitos filhos-de-santo; entre os que receberam o dẹka, estão: Noêmia de Marabo, de Yemọja com Oşoọsi, com Terreiro em Itapocu, Vitória, Espírito Santo; Tereza, de Iyansan e Şango, com Terreiro no estado do Rio; Mozart, de Şango e Ọşun; Fátima, de Oşalufan; Regina Lúcia Ruiz de Gamboa, de Ọşun; Palu, de Obaluaiye; Maria Antônia de Jesus Melo, de Ọbaluaiye; Maria Luiza; Jandira, de Oşoọsi; Mitze; Eiya, de Omolu; Ângela; Ruth de Souza Castro, de Obaluaiye e Ọşun. Entre outros seus filhos feitos estão Pedro, de Şango, pejigan; Ari Barreto de Oşoọsi, ogan; Odete, de Şango, jibonan; Eurico Jacy Auler, de Şango Agodo, oşogun; as mães-pequenas Hilda, de Ogun; Corina, de Şango; Ida, de Omolu; Yeda; Bichinha; e Angra, de Omolu e Iyansan; Maria Alice, iyabase; além de Jorge (Dedei), de Obaluaiye, filho natural de Hilda de Ogun; Gamboa, de Oşoọsi, marido de Regina Lúcia; Afonso e sua esposa Dina; Jeová; Iara; e o marido de Maria Alice e Carmem.
Fujẹko casou-se com Ilka Machado de Azevedo, nascida em 26 de junho de 1914, em 20 de maio de 1935; não teve filhos naturais e morreu em 1º de junho de 1977. Depois de sua morte, seu irmão Zequinha, de Ọşun, feito por Regina Lúcia, vendeu a propriedade e o Terreiro acabou. Hoje, permanece fechado e vazio, parece que sem qualquer uso ou destino.
História de Maria Antônia
Maria Antônia de Jesus Melo nasceu em Fortaleza, Ceará, filha de Maria Marques de Oliveira Melo, nascida em Jardim, Ceará, e Jairo Bandeira de Melo, do Rio Grande do Norte. Era católica e de família católica. Quando nasceu tinha um irmão já adulto, por parte de pai. Teve mais quatro irmãos por parte de pai e mãe - três homens, que morreram crianças, e uma irmã. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos 16 anos com a família, em 1948, para a rua Coração de Maria, no Méier.
Casou-se em 1950, com João de Oliveira, só no religioso, visto ser ele separado da mulher, e foi morar na rua Sabino Ribeiro, em Irajá. Teve duas filhas naturais – Cleane de Oliveira e Márcia Cristina de Oliveira. Maria Antônia começou a ficar doente logo depois do casamento. Por causa disso, foi aconselhada por D. Raimunda, médium atuante de um centro espírita kardecista e mãe do chefe desse centro, Rodrigues, a consultar-se espiritualmente ali. Depois disso, começou a freqüentar o local, chamado Centro Espírita Bezerra de Menezes, em Cascadura. Porém, continuava sempre doente, e, aconselhada por uma entidade do Centro, que lhe recomendara um Centro que não fosse de mesa, mas que fosse de chão – um Terreiro–, foi à procura de um.
Por sugestão de um colega de trabalho (o marido de dona Mariquinha, zeladora do Terreiro de "Seu" Pena Azul, em Osvaldo Cruz) de seu marido, começou a freqüentar esse Terreiro, onde começou a ter as incorporações da Preta-Velha Tia Maria da Bahia, do Caboclo Aracati e de Ogun Beira Mar. Mas, mesmo assim, continuava bem doente e emagrecendo. Depois de algum tempo, foi aconselhada por um guia incorporado do Terreiro a procurar um Terreiro de Nação. Por isso, aconselhada por uma sua conhecida da época, foi ao endereço, que era numa rua de Madudeira, procurar o tal Terreiro de Nação. Estava procurando o endereço, quando uma mulher a quem pediu informação lhe disse que aquele ela não conhecia, mas que conhecia um muito bom ali perto, e que ela estava indo lá, para falar com o pai-de-santo, Fujẹko; desse modo, ela dirigiu-se com a mulher à Tenda Espírita dos Humildes, Terreiro de Aşẹ Omoloko, localizado à rua Rita Vieira, 40, cujo babalorişa era Gerson Gentil de Azevedo, o Fujẹko, o qual, depois de atender à mulher e à filha dela, fez um jogo para Maria Antônia, orientando-a no que deveria ser feito diante dos problemas de saúde que ela estava enfrentando.
Isso já era outubro de 1966, ou dezesseis anos desde que ficara doente e começara a procurar uma solução para seus problemas. Foi logo recolhida e logo feito um bori, depois do que já começou a melhorar de suas doenças. Iniciou-se assim sua vida religiosa naquele Terreiro. Suas filhas naturais receberam também um bori na casa de Fujẹko. Depois de sete anos, em 1973, recebeu o dẹka e o levou, bem como os seus asentọ para sua casa, nessa época já na Estrada Intendente Magalhães em Vila Valqueire, onde reside até hoje. Sua mãe-pequena de feitura foi Hilda, de Ogun.
Em 1983, seis anos depois da morte de Fujẹko, Mãe Maria Antônia fundou seu Terreiro, Ile Aşẹ Ọbaluaiye, nos fundos de sua residência. Desde então tem como filhos com dẹka Paulo de Oşala, com Casa em Icaraí, Niterói, e Isa de Yemọja, com Casa em Ricardo de Alburquerque, Rio de Janeiro.
Em junho de 1999, fez os asentọ do Ileko, Casa de Omoloko, em Brasília, e em novembro fez Cora, de Ogun, Lígia, de Ọbaluaiye, Leni, de Yemọja e Simone, de Iyansan, tendo como mãe-pequena sua filha natural Márcia, feita no Ketu.
Fontes Consultadas:
01 – História de Batayọ contada por Fujẹko, na Tenda Espírita dos Humildes, em 15 de fervereiro de 1974.
02 – História de Fujẹko contada pelo próprio, na Tenda Espírita dos Humildes, em 17 de janeiro de 1970.
03 – História de Maria Antônia contada pela própria e por sua filha Márcia em abril de 2003.
04 – Fala, Mangueira!, Marília T. Barboza da Silva, Carlos Cachaça e Arthur L. de Oliveira Filho, Ed. José Olympio, 1980.
05 – A Linguagem Correta dos Orişa, Benjy Ainde Kayode Durojayle Komolafe, Ornato José da Silva, Rio de Janeiro, 1978.
06 – The Yoruba-Speaking Peoples of South-Western Nigéria, Daryll Forde, Ethnographic Survey of África, International African Institute, London, 1969.
07 – The Yoruba-Speaking Peoples of the Slave Coast of West Africa, A. B. Ellis, Anthropological Publications, Oosterhout N.B., The Netherlands, 1970.
08 – A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro – 1808 a 1850, Mary C. Karasch, Companhia das Letras.
09 – História da Bahia, Luís Henrique Dias Tavares, UFBA.

Texto extraído do site: http://www.omoloko.org.br